Durante toda a minha vida, aprendi que o vazio é a ausência de algo.

Esse é um dos enganos que os sentidos nos proporcionam, se nos limitamos a eles. Não teria sido possível compreender nada além disso sem fechar os olhos para o mundo ao meu redor e olhar para o que acontecia dentro de mim.

Foi no meu vazio interior que me preenchi de sentido e fui capaz de responder a mais profunda pergunta na qual já me deparei: por que ser mãe? 

Lembro-me de uma das sensações mais estranhas que já experimentei. Depois do tão esperado nascimento do meu primeiro filho, entendi o que se passou dentro de mim ao longo dos nove meses que o carreguei.

Imediatamente após engravidar, somos preparadas constantemente (por conhecidas e por absolutas estranhas) para muitos dos infortúnios associados à maternidade, como: as dores da gestação, as mudanças no corpo, as mazelas do parto (isso se entrarmos em trabalho de parto), as noites sem dormir, o desafio da amamentação e mais uma infinidade de mudanças inevitáveis. Embora ser mãe sempre tenha sido algo presente na minha lista de objetivos de vida, preciso confessar que, diante da concretização do fato e ao ouvir todas essas histórias, questionei minha decisão. 

Os passos que damos no pós-parto ou os movimentos em cima do leito de repouso mostram a bagunça interna que se fez para que um útero dilatado, carregado de água e de um menino, além de uma placenta misteriosa, habitassem. Eu me lembro de tentar achar a bexiga dentro de mim, mas não a encontrava. Minha barriga, ainda alargada, meu umbigo ainda aumentado – e, por isso, muitos espaços vazios por toda parte.

É preciso tempo para que tudo volte a seu habitat original. Lembro-me da estranha sensação desse vazio interior.

Me pus a refletir sobre isso, a respeito da dedicação empreendida por todo meu corpo para que o meu filho chegasse. Todos, internamente, precisaram mover-se, e, mesmo munidos de espaço, não tinham pressa de retorno. A paciência de todo o processo me provou que não houve um incômodo; ao contrário, me pareceu naquele momento, ainda imersa na experiência de um parto, que todos dentro de mim se sentiram honrados.

Percebi que o útero, em uma mulher, reina. 

Ao crescer do útero, todos se curvam com simplicidade aos cantos que lhes cabem dentro do corpo da mulher, louvando a dilatação do órgão sagrado.

É preciso digerir, sabe o intestino, mas ele pensa: “farei no tempo que for possível, desde que haja espaço suficiente para o sacro útero”. “É preciso armazenar líquido”, sabe a bexiga, “mas, se utilizar menos de meu potencial, posso ceder ao útero mais espaço para seu alongamento”. “Expanda, útero!”, deve pensar o pulmão. Mesmo ele, tão importante, tão magnifico e tão fundamental. Não tanto diante do útero. Envia ao neném todo oxigênio necessário, ciente de que a mãe poderá “bufar” um pouco e sentir um peso “altitudinal” em uma curta caminhada; afinal, “todos precisamos louvar o santo útero”.

Durante minha reflexão, espantei-me ao perceber que até o coração – o órgão dos órgãos, em uma mulher, curva-se ao útero dilatado. Aquele coração que era forte, de mulher que trabalha, que está na lida e carrega o mundo para si. Aquele coração de filha que quer cuidar de todos ao redor, que quer viver o mundo em uma vida; aquele coração esquece de tudo que se prometeu ser tão calculadamente. Diante do brotar da vida uterina, recolhe-se a sua verdadeira essência – a sensível. E sente tudo, cada fase, cada tempo, cada palavra, cada gesto, com a profundidade do alto mar. Aquele coração tão forte percebe que forte e grandioso é o útero, que não se prometeu nada, que não se esperançou a nada, que deixou o tempo agir em seu domínio, ou melhor, que se deixou dominar pelo tempo, sem pressa nem lentidão, erguendo-se em seu reinado. O coração percebe que sempre esteve destinado àquele momento.

O cérebro, ah…esse já se curvou há muito tempo. Não tenta lembrar de palavra, data e nem nome. Além disso, não se esforça a entender nada que o coração lhe diz, não tenta explicar – não há energia para gastar com isso. Ele quer observar a maravilha da dilatação do útero e focar todos os seus esforços na criança que se desenvolve. Por isso, apenas diz ao sistema límbico: “chore, chore, chore”. Por que chora a mulher grávida? Não importa.

Chore, chore, chore porque o coração sente. Seu coração é o que sempre deveria ser: sensibilidade.

Enquanto eu estava deitada, sentindo-me repleta de espaços vazios, com todos meus órgãos bagunçados e um bebê em meus braços, entendi o poder uterino sobre meu ser. Entendi que crescia dentro de mim mais do que um filho – um príncipe envolto em um reinado sagrado. Eu soube, naquele dia, que não poderia nunca dar melhor casa e melhor reino a meu filho, e que, tendo-o colocado no mundo aqui fora, a mando do próprio útero e de seu tempo, eu precisaria me dedicar ao máximo para ser pelo menos um pouco do que esse órgão foi.

Minha missão seria prover a meu filho a possibilidade de parte da plenitude que viveu dentro de mim. 

Como o sistema digestivo, era chegada a hora de diminuir o ritmo e até deixar de lado o que fosse possível em minha vida; como a bexiga, era preciso reduzir a atuação de algumas coisas, mesmo sabendo que eu já fora capaz de muito mais; como o pulmão, entendi que precisava respirar com mais calma para compreender o tempo do meu filho, tendo menos pressa na caminhada; como o coração, percebi que precisava sentir mais o que está ao meu redor para entender o sentimento do meu filho, sem fazer promessas ou criar expectativas; como o cérebro, entendi que precisava aceitar o domínio do sensível, focando minha atenção em meu filho e aceitando minhas emoções com naturalidade.

Com o vazio, entendi que me esvaziar tornara-se necessário, para me prover, ao longo do tempo, da plenitude do amor materno. Eu seria, para sempre, completamente diferente

Assim como meus órgãos, eu não precisava me incomodar e sentir-me diminuída. Um filho chega para mudar a vida, sim, e eu deveria me sentir honrada por isso – honrada pela oportunidade de me recolher em prol de outrem, de me dividir para me multiplicar, de ser menos“eu” para ser mais “nós”.

Eis o sentido de ser mãe, me respondi: uma oportunidade de ser alguém melhor. 

Assim aprendi que o vazio não é nem de longe a ausência de algo – é preenchido de sentido.

A meu filho, eu darei o meu melhor a cada dia, porque, da dilatação do útero, mais uma coisa brotou: uma mãe.